28 março 2010

Jeremias

- Jeremias, jeremias! Pra cá, menino... – gritou uma senhora. Ela mordeu os lábios impaciente, com as mãos nos quadris, olhando de um lado para outro.

Dona Francisca era uma boa senhora. Há algumas semanas, havia se mudado para Rua Arejada, casa de número cento e dois. Vivia apenas na companhia de seu gato Jeremias. Era frequente vê-la caminhando durante as manhãs à procura dele. Dizem as más línguas que ela enxergava no gato seu falecido marido, também, Jeremias. Embora dona Francisca não tivesse feito muitos amigos nas redondezas, resolveu convidar todos os vizinhos para comemorar o aniversário do seu gato. Como se não fosse suficiente, encomendou um bolo de ração para Jeremias e acendeu sete velas. Cochichos, próximos aos portões da casa de número cento e dois, julgavam que esta não era somente uma atitude estranha. Outros termos conferiam uma anormalidade àquela casa. A ausência de visitas, possíveis filhos ou netos, igualmente, fortalecia os boatos.
Jeremias não era feio. Na realidade, tinha uma aparência engraçada, pomposa, um verdadeiro Persa de pêlo curto. Os excessivos cuidados, dengos, escovações diárias, tornaram o gato um tanto rechonchudo. O pobre mal conseguia correr por muito tempo, ou saltar grandes distâncias. Se existisse uma categoria para enquadrar os gatos obesos, certamente, ele seria. Entretanto, isso não incomodava dona Francisca. Para ela, quanto mais “gordinho” ele estivesse, mais feliz aparentava.

- Que diabos! Aquela senhora já está gritando mais uma vez... – resmungou um homem levantando-se da cama com dificuldade. - E ainda são sete da manhã!

- Já falamos sobre isso. Não precisa perder tempo indo reclamar com ela. – respondeu uma mulher próxima ao homem. Ela permanecia deitada com o antebraço direito sobre os olhos, impedindo que a luz do sol, já aparente, os atingisse.

- Não compreendo como você consegue ser tão paciente. Essa mulher louca e seu gato são quase um despertador adiantado. – disse o homem ao se levantar para abrir as cortinas da varanda. Do lado das casas ímpares da Rua Arejada, ele podia enxergar dona Francisca agoniada. – Qualquer dia desses, esse gato ainda vai fazê-la enfartar!

- Bata na sua boca. Deixe-os em paz e volte para cama. – falou a mulher em tom sério, revirando o corpo de bruços, com a cabeça na direção oposta a iluminação vinda da varanda aberta.

Igor e Eleonora Rodrigues, os vizinhos frontais da dona Francisca, residiam na casa de número cento e três. Foram os primeiros a conhecê-la, completando recentemente cerca de cinco semanas. Eleonora, sempre muito simpática, quis desejar boas vindas. Sua melhor amiga, Patrícia Alencar, trabalhava como corretora de imóveis. Desse modo, era de fundamental importância que os novos moradores se sentissem bem acolhidos pela vizinhança.

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