12 dezembro 2009

Sete dígitos

Pedalar é como desobstruir um caminho vazio rumo às portas de um colossal mundo de idéias. Pedalar é muito mais do que uma simples ação mecânica dos músculos. É descobrir-se diante de um eu que não se conhece. Assim foi que minhas férias começaram... Como os meus vizinhos preguiçosos que só levantam de manhã para buscar o jornal do dia, eu perdia grande parte do dia deitada em cima da cama, afinal, tinha feito enorme ‘esforço’ durante o ano inteiro para me dedicar a alguns dias de ócio. Os primeiros dias eram maravilhosos. Passava as manhãs, tardes e possivelmente as noites também, com o controle remoto em mãos que me permitia com curtos movimentos alterar objetivamente a imagem projetada na tela que eu gostaria de enxergar. No último natal eu havia comprado uma televisão digna de se assistir filmes com a mesma emoção do cinema, era como se eu estivesse em tempo real no mesmo ambiente que os atores, além do fantástico som que ela emitia – só faltava ela conversar comigo – assim eu brincava. Normalmente eu já estava fazendo propaganda do produto quando meus familiares apareciam eventualmente para me visitar. Depois da primeira semana, a televisão já se tornara algo obsoleto para meus olhos, apesar da variedade de filmes, seriados e noticiários - chega uma hora que tudo isso cansa. Mas se não fosse a minha enorme falta do que fazer talvez eu não tivesse visto um comercial que certamente faria diferença dias mais tarde. “Venha participar da corrida de bicicletas...”, neste momento meus olhos estavam dispersos, pensando no que teria para o almoço já que a inércia era muita para me fazer levantar e preparar algo gostoso, então decidi que pediria a comida pelo telefone, domingo, muitos restaurantes abertos e principalmente com entrega grátis acima de um valor x. Talvez fosse até mais prático pedir comida para a semana inteira, mas seria abusar demais do meu cartão de crédito que já estava no limite do vermelho devido a compras que eu tinha feito dois meses atrás em uma inesperada viagem a casa de uns amigos. Quando voltei a atenção ao comercial vi apenas uma imagem da corrida de bicicletas do ano anterior, pessoas suadérrimas com roupas enumeradas pedalando em direção a uma linha amarela, e um número extremamente atraente que por sinal era o valor do prêmio do vencedor da corrida. Se não fosse por este número de sete dígitos, uma potência de seis, eu teria esquecido o comercial em poucos segundos, mas o locutor continuava insistentemente a comentar o valor “um milhão de dinheiros” – a parte dinheiros fui eu, só para enfatizar que o prêmio era em dinheiro quando liguei para minha mãe avisando que eu não iria passar o final de semana em sua casa porque precisava urgentemente aprender a andar de bicicleta. O que me fazia parecer uma criança perdida, já que na minha infância eu sempre inventara desculpas, das mais fajutas até, para evitar colocar os pés num pedal. Não me recordo direito porque eu negava a palavra bicicleta com tanta força, mas estou quase certa de que foi por histórias que me contavam sobre acidentes horríveis, cabulosos, tenebrosos envolvendo o veículo de duas rodas. Quem sabe ainda existisse esperança para mim? Entretanto, disposição para aprender, hoje, não me faltava e ainda mais com aquela motivação em particular de sete dígitos de dinheiros que me possibilitaria transferir os débitos do meu cartão que estava quase no vermelho para o verde. E como dinheiro nunca é problema, se visse a calhar mais alguns tostões para apreciar um pouco mais dessa vida eu o faria evidentemente.

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